Segmento pretende discutir formas de destravar a produtividade para recuperar competitividade da indústria.
A falta de políticas públicas para moda e vestuário, segundo setor que mais emprega no país e que movimenta US$ 50 bilhões por ano, causa perplexidade entre empresários reunidos no último dia 28 de outubro no Fórum Negócios de Moda promovido pela Fecomércio-SP e pelo jornal O Estado de São Paulo. O ambiente de negócios hostil, engessado por leis trabalhistas rígidas, pouca presença no mercado internacional, portanto fora da cadeia produtiva global, e perda do mercado interno para a importação são apontados como os principais problemas para a perda de relevância do setor.
A receita para driblar esses problemas não é simples, mas seria possível, avalia a estilista e empresária Patrícia Bonaldi, que criou o grupo Nohda com quatro marcas, a que leva seu nome, a Pat Bo, a Apartamento 03 e a Lucas Magalhães. “Conseguimos ultrapassar insumos caros, impostos, leis inadequadas, para ser mais competitivos. É necessário ser criativo não apenas no produto, persistir na diferenciação da marca para que o cliente perceba ali um valor agregado que não existe em outras”, aponta.
Para Gerson Vaccari, do grupo Paquetá, fabricante de calçados private label, como o custo Brasil situa-se acima da média mundial, não dá para vender apenas o produto, é necessário ter marca, conceito, um diferencial, destaca o empresário. O preço do produto brasileiro exportado varia entre US$ 35 a US$ 60 enquanto o mesmo produto importado custa entre US$ 29 e US$ 32. “O cenário é adverso mas o empresário deve trabalhar com oportunidades, sem descuidar dos custos”, afirma Vaccari. A marca Dumond, do grupo Paquetá, tem 35 lojas fora do Brasil, incluindo uma em Dubai. Isso foi possível com diferenciação, garante ele. “Atributos como beleza, alegria e recursos naturais ajudam a vender o Brasil lá fora, mas é necessário fortalecer outros fatores como tecnologia, inovação e economia criativa que estão sendo trabalhados por meio do programa Brasil Beyond, marca promovida pela Apex Brasil (Associação Brasileira de Promoção das Exportações)”, diz Vaccari.
Nesta semana sindicatos da indústria do vestuário fizeram uma manifestação em frente a uma feira de produtos chineses, no centro de exposições do Center Norte, em São Paulo, protestando pela perda de empregos. Como enfrentar a invasão de produtos chineses no Brasil? A questão, para Isabel Fontoura, analista de negócios internacionais da Apex Brasil é despertar o apetite das empresas para negócios na China. “Há mercado para produtos de maior valor agregado e de design diferenciado para a nova classe média chinesa que tem poder aquisitivo. Não podemos olhar a China apenas como predadora”, ressalta Isabel. Recentemente a Apex levou 17 empresas associadas da Abit (Associação Brasileira da Indústria do Vestuário) para uma feira em Xangai que rendeu bons contratos. “A China não é responsável pela burocracia tributária e trabalhista que reina em nosso país e que faz com que se empregue menos”, pondera Paulo Delgado, membro do conselho da Fecomércio-SP.
Para ser competitivo com o mercado asiático, segundo o presidente da Abit, Fernando Pimentel, seria preciso a economia crescer entre 4% e 5% e não 0,6% como a nossa. “O varejo cresceu 12% em 2010. No ano passado a indústria têxtil teve queda de 6% no faturamento e a de confecção de 3%. Isso não é sustentável para o setor”, destaca. Com juro alto, impostos, regulamentações absurdas e legislação trabalhista no molde atual, diz, fica difícil atrair empresas que queiram produzir no país.
“O Brasil é especialista em frustrar expectativas do mundo”, completa Delgado. A indústria do vestuário, em particular, de acordo com ele, não é olhada pelo governo como fundamental na cadeia de produção de riqueza, apesar de ser o segundo segmento que mais emprega no país, perdendo apenas para a indústria de alimentos. “Existe uma série de isenções e desonerações para o setor automotivo, como o Inova Auto. Aqui, o setor de vestuário é penalizado. Não é mais possível que o governo brasileiro penalize o lucro, estamos ficando para trás na globalização”, afirma. Para ele, a legislação trabalhista engessada e as diversas leis que tentam regulamentar o ambiente de negócio atrapalham a produtividade e subtraem empregos.
De acordo com o fórum, hoje são criados 1 milhão de postos de trabalho por ano mas entram nos fóruns trabalhistas 3,5 milhões de causas por ano, sendo que 2 milhões vão para o Supremo Tribunal do Trabalho. “Hoje empregar é um ato de risco”, diz Fernando Pimentel, da Abit. Entre os desafios do setor estão reforma da estrutura fiscal, enfrentar a competição desleal que usa canais não oficiais e os problemas logísticos, aponta Paulo Correa, vice-presidente da C&A.
Estado “obeso”
Flávio Rocha, CEO da Riachuelo, diz que os problemas limitam a capacidade da indústria de gerar os empregos. A rede que conta hoje com 136 lojas em todo o Brasil diz que o grande desafio é avançar mais e reinserir o Brasil no jogo competitivo. “Na última década tivemos queda vertiginosa na produtividade e na competitividade. A campanha política para presidente foi rica para a sociedade porque colocou foco na discussão do que queremos para o país e o peso do estado na economia”, ressalta. Para ele, temos um estado “obeso” que consome 40% do PIB enquanto a economia cresce 0,3%. “É necessário discutir que modelo de país queremos e é urgente ir ao centro da questão: ter um estado mais leve e útil ao setor produtivo”, defende.
O varejo cresce mais porque concorre geograficamente, enquanto a indústria compete globalmente. De acordo com Rocha, a China fez uma opção estratégica pela indústria têxtil como política de estado há décadas e hoje colhe o que plantou com o dinamismo desse segmento naquele país. A Riachuelo produzia, em 2010, segundo o executivo, 90% do que ia para suas lojas. Em 2014, apesar de ter duplicado o número de lojas, a produção própria caiu pela metade, sendo substituída pelas importações.
As confecções, que representam 80% do setor são hoje pequenas e médias empresas beneficiadas pelo regime do Simples, que desburocratiza os impostos. “No entanto estas empresas não têm escala para abastecer as grandes redes e não têm incentivo para crescer por que sairiam desse regime tributário. É um círculo vicioso”, afirma Rocha. É necessário estudar, junto ao governo, uma carga tributária menos perversa para o setor, a exemplo do programa RTCC (Regime Tributário Competitivo para as Confecções) proposta pela Abit, completa o executivo.
Outro gargalo para as novas marcas é a falta de crédito, aponta o fórum. O juro está muito alto e as grifes têm valor intangível não contabilizado pelos bancos na hora de conceder empréstimos. “É necessário um plano de governo que defina a moda como estratégica para o crescimento econômico, com linhas que incentivem o setor”, prega Roberto Davidowicz, presidente da Abest (Associação Brasileira de Estilistas).