por Lola Botti, coolhunter da Vicunha Têxtil

Todo mundo tem um jeans preferido. Aquele que acompanha momentos decisivos da vida, que veste o corpo, também a coragem de ser quem se é. Mas nem todo mundo sabe que o jeans, além de reconhecido como símbolo democrático, é também histórico — e profundamente político.
Neste 30 de abril, o Denim Day, celebrado globalmente como um marco de conscientização sobre o combate à violência sexual contra mulheres, é fundamental lembrar que o jeans carrega em suas tramas um espírito de resistência. Ele já foi uniforme de mineradores e operários, símbolo de revolta juvenil nos anos 1950, e uniforme não oficial de movimentos civis e feministas. Vestir jeans, por muito tempo, foi um ato de desafio às elites, às normas de comportamento e aos papéis impostos — especialmente às mulheres.
Durante os anos 1960 e 1970, o jeans se consolidou como símbolo indireto de uma geração que questionava padrões. Nos protestos pelos direitos civis nos Estados Unidos, era comum ver manifestantes usando jeans como um gesto de igualdade e solidariedade com os trabalhadores. Já no movimento feminista, o jeans representava a rejeição à estética feminina imposta — vestidos delicados, saias rodadas, cinturas apertadas — e abraçava uma moda funcional, confortável, livre. Era uma forma silenciosa, mas potente, de dizer: não vamos mais nos moldar ao que esperam de nós. De Gloria Steinem a Angela Davis, passando por incontáveis mulheres anônimas, o jeans caminhou ao lado da luta por voz, voto, autonomia e respeito.
A efeméride nasce justamente de um episódio emblemático de injustiça: em 1998, na Itália, a Suprema Corte absolveu um estuprador alegando que a vítima usava jeans justos demais para serem removidos sem seu consentimento. A indignação se espalhou pelo mundo. Parlamentares italianas foram trabalhar de jeans em protesto, e assim nasceu o movimento que hoje usamos para lembrar que o “não” precisa ser respeitado — e que a roupa nunca é convite.
A moda sempre conversou com os códigos sociais, e o jeans, em especial, tem sido uma ferramenta de expressão e emancipação feminina. Quando mulheres começaram a usar calças — e calças jeans — desafiavam não apenas o dress code, mas uma ordem de gênero inteira. “Vestir-se como homem” era, para muitas, a única forma de circular, trabalhar, existir em espaços que lhes eram negados.
LUTA CONTINUA URGENTE
Hoje, embora tenhamos avançado em muitas frentes, ainda vivemos em um mundo onde o corpo da mulher é constantemente questionado, exposto e vulnerabilizado. No Brasil, uma mulher é vítima de violência sexual a cada 10 minutos. E ainda escutamos, com frequência cruel, a pergunta: “mas o que ela estava vestindo?”
É por isso que o Denim Day importa. Porque ele nos obriga a lembrar que a luta contra a violência de gênero ainda é urgente. E que o jeans, muito além de uma peça básica do guarda-roupa, segue sendo um símbolo de resistência. É o tecido que veste a liberdade, a autonomia, a rebeldia — e a esperança de um futuro no qual nenhuma mulher precisará justificar sua roupa para ter sua dor reconhecida.
Na Vicunha, onde vivemos o dia a dia da moda com consciência social, temos orgulho de fazer parte dessa conversa. O jeans que produzimos é feito para durar — e para seguir contando histórias de coragem. Que ele continue sendo, como sempre foi, uma bandeira. E que a gente siga usando esse símbolo, todos os dias, até que nenhuma mulher precise temer por sua liberdade.
foto: divulgação