ONG Earthsight afirma que 2 grupos brasileiros com fazendas certificadas estariam envolvidos em crimes de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos.
Um relatório da ONG britânica Earthsight, dedicada a pesquisas sobre as importações de commodities da UE que podem representar risco florestal, ambiental, criminal e social, abala a credibilidade do algodão BCI, selo que atesta a produção sustentável da fibra. Publicado na íntegra na semana passada, o relatório nomeado de Fashion Crimes acusa dois grandes produtores brasileiros de algodão, a SLC Agrícola e o Grupo Horita, de estarem envolvidos em crimes de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos, mesmo apresentando o selo BCI.
No Brasil, a BCI (Better Cotton Initiative) mantém parceria com a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) para identificar a produção com selo BC (Better Cotton). Apenas produtores com certificado ABR (Algodão Brasileiro Responsável) podem requerer a licença Better Cotton.
Acusada pela Earthsight de greenwashing, a BCI diz que fará novas auditorias nas fazendas da região dos dois grupos. Por comunicado, afirma que se forem encontradas irregularidades “as licenças podem ser suspensas ou revogadas”. No informe, acrescenta que reviu critérios, que serão incorporados pela Abrapa “a tempo da próxima temporada de cultivo em novembro”.
O Brasil é o maior fornecedor de algodão BCI negociado no mundo. Com a denúncia indireta sobre a credibilidade de sua certificação, a Abrapa nega as irregularidades. Sobre a acusação da Earthsight de que haveria conflito de interesse pelo fato de uma entidade de produtores ser responsável pela certificação de seus pares, comunicado da Abrapa ressalta que a auditoria das fazendas cabe a certificadoras independentes.
CONEXÃO COM ZARA E H&M
O escândalo mundial em torno do algodão brasileiro BCI veio à tona em reportagem publicada pela Modaes no início de abril. Nela, o site de notícias espanhol informava que o Grupo Inditex cobrara a BCI acerca de denúncia da Earthsight, exigindo respostas desde meados do ano passado.
Além do Inditex, dono da Zara, a denúncia envolve também a conexão da H&M com o uso do algodão brasileiro considerado irregular, mediante um longo trabalho de rastreamento.
A pesquisa da Earthsight teve início há cerca de um ano para investigar o impacto da produção de algodão sobre o ameaçado bioma do cerrado brasileiro, mais especificamente na região oeste da Bahia. E optou por restringir a investigação em torno de dois dos maiores produtores de algodão dessa região, explica o relatório.
Para isso, se valeu de análises de imagens de satélite, decisões judiciais no Brasil, milhares de registros de remessas de mercadorias e com investigadores disfarçados de investidores para participar de feiras do agronegócio no Brasil e de têxteis na Europa de modo a obter mais informações.
CAMINHOS DO ALGODÃO
“Usando os registros de embarque disponíveis, a Earthsight conseguiu rastrear 816.000 toneladas de exportações diretas de algodão dos dois polêmicos produtores de algodão da Bahia no centro deste relatório, Grupo Horita e SLC Agrícola, para mercados estrangeiros entre 2014 e 2023”, afirma o relatório.
De acordo com o documento, parte dessas exportações das empresas brasileiras tiveram por destino fiações ou distribuidores de matérias-primas, operações que a Earthsight não conseguiu rastrear. Mas a investigação conseguiu rastrear o algodão até fabricantes de vestuário asiáticos contratados por grandes varejistas internacionais. E a ONG optou por restringir a investigação a dois dos maiores varejistas do mundo – a Inditex e a H&M.
Nesse trabalho, identificou 8 fabricantes que usam tecido feito de algodão fornecido por SLC e Horita e que atendem as duas varejistas globais, conforme a Earthsight. O maior deles é a PT Kahatex, da Indonésia.
Dois são de Bangladesh – Noman Group e Januma Group. E cinco são do Paquistão: Nishat, Sapphire, Interloop, MTM e YBG.
O relatório detalha o volume de algodão brasileiro comprado dos dois fornecedores e quanto produziram em peças de vestuários para as duas cadeias varejistas.
RECOMENDAÇÕES
Ainda conforme a Earthsight, procurada, a Inditex confirmou que compra produtos acabados dos fabricantes asiáticos identificados na investigação, mas que essas empresas não comprariam algodão diretamente de produtor brasileiro algum. “A empresa não forneceu quaisquer provas para fundamentar esta afirmação, o que contraria as provas concretas obtidas pela Earthsight: registros de envio individuais para cada conteiner de transporte, com números de código individuais, mostrando o número de fardos de algodão em cada um, o nome do fornecedor e a identidade do cliente”, destaca o relatório.
Além da denúncia e da cobrança sobre critérios para certificar o algodão hoje chamado apenas de BC, a Earthsight sugere que a BCI deveria tornar seus critérios mais rígidos e implementar um amplo e eficaz sistema de rastreabilidade. Defende ainda que os grandes varejistas deveriam pressionar a BCI nessa direção de forma a garantir a origem ética dos produtos que comercializam.
foto: meramente ilustrativa