Até lá, a indústria avalia que o setor terá que se apressar para preservar empregos e renda, em paralelo às medidas do governo.
Representantes da indústria de jeans brasileira pregaram união a fim de atravessar a crise provocada pela pandemia do coronavírus. A expectativa é de o início da retomada acontecer a partir de 1º de maio, com o lockdown geral sendo liberado gradativamente. É com essa perspectiva que trabalha o presidente da Vicunha, José Maurício D’Isep. Ele fez a análise em live da qual participaram Fábio Covolan, da Canatiba; Grasiela Moretto, da Ufo Way; Fernando Pimentel, da Associação da Indústria Têxtil e de Confecção; Hadi Hamade, da Consciência Jeans; e Carlos Ferreirinha, da MCF Consultoria.
A reunião virtual foi promovida pela Denim City São Paulo, sob mediação da XP Investimentos, com Marco Túlio Ribeiro. Instado a falar de futuro e quando o mercado começaria a retomar atividades, o presidente da Vicunha disse que, inicialmente, havia expectativa de retomada depois da Semana Santa, em 13 de abril. “Se fossem 30 dias, voltaria em 22 de abril. O correto seria 1º de maio”, entende.
AMPLIAR CRÉDITO
D’Isep afirmou diversas vezes que o mais importante é a união da cadeia, desde o fornecimento da fibra até o consumidor. Defendeu que as tecelagens de denim e sarja reforcem seu papel de financiadores, mediante a concessão de crédito, ainda que reconheça o impacto das medidas de contingência e prevenção sobre o caixa das empresas. “Tem que de alguma forma proteger a cadeia”, insistiu. Também alertou que todos devem fazer a sua parte, independentemente do tamanho da empresa. “Não vejo com bons olhos a decisão de não se pagar mais nada. Daqui dois a três meses estaremos de volta ao mercado. Não adianta atravessar o rio sozinho”, afirmou.
Nessa travessia, ele incluiu o governo que anunciou medidas para injetar recursos na economia. Como o repasse será feito pelos agentes financeiros, que terão autonomia para conceder ou não o crédito, o receio compartilhado com o presidente da Abit é de o dinheiro ficar ‘empoçado’ no caixa dos bancos. “Os bancos têm que fazer sua parte e entender que devem injetar recursos também nas grandes empresas para proteger os pequenos”, defendeu ainda D’Isep.
Fábio Covolan, diretor de marketing da Canatiba, concorda que a indústria tem um papel importante de financiar os clientes, e que vai continuar. “Mas as empresas têm que cuidar dos fluxos de caixa”, enfatizou. Ele comentou que a Canatiba estava vivendo um momento de expansão, com contratação de turno, quando foi surpreendida pela crise. “Foi uma enxurrada de pedidos de adiamento”, observou, ressaltando que a cadeia está parada. E constatou: “O primeiro impacto a indústria vai ter que segurar a onda até o governo se mexer”.
PEQUENO VAREJO PREOCUPA
Hadi Hamade, diretor e sócio da Consciência Jeans, contou que a empresa suspendeu as operações antes do decreto do prefeito, em 17 de março, com retorno para 6 de abril. A volta depende de decisão do estado e da prefeitura de São Paulo se o afastamento social será estendido ou não. “O Brás está em pânico, mas no interior a realidade é outra. Tem cidades sem casos confirmados e as pessoas não estão entendendo porque paralisar justamente no lançamento do inverno”, analisa o empresário.
Ele argumenta que é preciso pensar como lidar com os pequenos varejistas. “O comércio pequeno é muito frágil. Muitas vendas por crediário. Se não recebe, não consegue pagar os fornecedores. E está sobrando um fardo grande. Se não ajudar, não vai ter para quem vender”, argumentou. Por isso, ele defende que seja liberado crédito para os pequenos. “Os grandes sabem como negociar e têm músculo para aguentar”, afirmou.
Hamade lembra que a pandemia chegou ao Brasil no pior momento para o setor. Diz que janeiro e fevereiro foram meses fracos de venda e, por isso, o lojista usou o capital de dezembro para cumprir os compromissos desses dois meses. Em março, esperava retomar o fluxo de vendas. “Isso não aconteceu. É grave porque as empresas não têm gordura, que foi perdida nos últimos 4/5 anos de economia fraca”, enfatizou.
VOLTA PAULATINA
Usando o termo mais empregado do momento, Grasiela, diretora e sócia da Ufo Way, disse que na sexta-feira 13 de março se deu conta do tsunami que chegou ao Brasil. Tocou a operação normalmente na segunda e terça, mas, na quarta-feira, 18 de março, decidiu paralisar as operações. A empresa fica em Criciúma, interior de Santa Catarina. No dia 30 de março, segunda-feira passada, retomou as atividades.
Começou operando com 50% do pessoal. “Vamos retornar com calma, de forma devagar e com cuidado. Não sei se a volta vai se manter”, reconhece. Tem dúvida se com a cidade de São Paulo fechada adiantaria a indústria voltar e não ter mercado para escoar a produção. “Nesse momento, o retorno tem mais um efeito psicológico do que prático”, disse.
Defende que a cadeia se empenhe em blindar empregos. Uma alternativa seria recorrer à redução de jornada e salário. “Não tenho demanda para ter a equipe completa trabalhando full time. Tenho que ajustar minha equipe com a demanda. Mas não quero o governo pagando para as pessoas ficarem jogando carta dentro da empresa”, afirmou.
Ela entende que a receita não é demitir, porque suspender pagamentos representaria menos dinheiro circulando e tornaria a retomada mais difícil.
Da mesma forma reconhece que “não existe caixa infinito e serão dois a três meses difíceis”. E completou: “Isso (a pandemia) não será eterno. Mas nada será como antes”. Na visão dela, empresa alguma sairá imune à crise deflagrada pela pandemia da covid-19.
PACTO DE PRODUÇÃO E SEGURO-DESEMPREGO
Para irrigar a economia, Hamade, da Consciência Jeans, defende que o governo federal deveria liberar o seguro-desemprego para todos, mesmo para os trabalhadores empregados. “Com a condição de que as empresas não mandem ninguém embora em determinado período. É um compromisso”, explicou.
Em sua participação, Pimentel mencionou um pacto de produção entre a Abit e a ABVtex, associação brasileira que representa o grande varejo de moda. Por esse acordo, as grandes redes varejistas assumiriam o compromisso de só comprar de fornecedores locais durante 12 meses.
O GBLjeans apurou que esse pacto está em discussão. Em resposta oficial a Abit informou que “ainda está faltando algumas respostas para o fechamento desse pacto”. A ABVtex respondeu que o tema foi proposto pela Abit. “A questão está sob avaliação, sem prazo para manifestação”, afirmou a entidade em nota.
DEMANDA PÓS-CRISE
Na visão de D’Isep, da Vicunha, está difícil prever como será a demanda pós-crise. Recomenda que as empresas dosarem a capacidade de produção e de capital de giro. “Não vai ter velocidade rápida”, admitiu.
Para Grasiela, até o segundo semestre tem muitas etapas a vencer. A começar pela população superar o choque vivido e voltar a pensar em consumir. Otimista realista, como disse, Pimentel avalia que haverá movimento de vendas porque para a maioria dos brasileiros “roupa é um consumo de necessidade”.
Hamade entende que a retomada depende da evolução da doença no país. Mas aposta que depois de liberada, do que chamou de ‘prisão domiciliar’, a população “terá sede de comprar, se tiver empregada”.
Para o consultor Carlos Ferreirinha, vivemos algo sem precedente. “A retomada não será pela força do consumo, porque as pessoas não terão dinheiro, terão perdas”, afirmou.
TEMPO PARA REPENSAR ESTRATÉGIAS
Ele recomendou para as empresas que a hora é de concentrar energia para pensar a dinâmica do mercado depois da crise e reavaliar estratégias. Para o consultor, não faz sentido abarrotar a caixa de e-mail dos clientes com lançamento de coleção. Ou ter “o tempo dragado por 1,5 mil lives por dia”.
Para o diretor da Canatiba, da crise estão saindo pontos positivos como a campanha para incentivo ao consumo local, de dar preferência para comprar dos pequenos e próximos. “Espero que seja o início de um novo ciclo”, disse.
A live foi acompanhada por uma audiência com interações que revelavam angústia e ansiedade, em busca de respostas prontas para todas as frentes. Como quase sempre acontece em tempos de crise, e pelo incentivo ao consumo local, também reaflorou, em parte da audiência, a defesa de reserva de mercado ampla, com fronteira fechada para produtos importados. O alvo era a China. Pimentel ponderou que é preciso ser cuidadoso em demandas dessa natureza porque o setor precisa de uma série de insumos para a produção que são importados, inclusive da China.